Memórias – Ligando o “Modo Pai”

Olá caros leitores e ouvintes, como estão?

Há exatamente um ano eu disse que chegava ao fim uma das seções que mais gosto de escrever, que é a de Memórias.

Lembrando ou apresentando para quem a não conhece, é uma seção que eu sempre postava anualmente no dia 5 de Maio, contando histórias do meu pai, todas elas ligadas aos videogames de alguma forma.

No ano passado estas histórias acabaram, então era natural que eu não levasse a seção e seus posts adiante.

Porém, no ano que se passou eu deixei de ser apenas filho e me tornei pai também. Sendo assim, ao longo do ano conversei sobre o assunto com alguns jogadores que são pais há bastante tempo ou que são recentes também, que se tornaram um pouco antes ou depois de mim.

Antes de dar continuidade, quem preferir ouvir a versão em áudio deste post, basta dar play abaixo:

Um destes jogadores é o Mario, leitor de longa data aqui do blog. Ele vivia me dizendo das dificuldades de ser pai e jogador de videogame. Simplificando muito o papo, um dia ele disse que queria fundar um blog para contar estas e outras dificuldades da vida que o impediam de jogar. Inclusive ele fez isso, clique aqui caso queira conhecer o blog Gamer Cansado que ele criou. Na mesma conversa ele sugeriu de eu fazer um post sobre o assunto.

A ideia para mim foi genial. Foi como se ele visse uma máquina de Arcade com a tela de Game Over, perguntando se o jogador quer dar Continue. Então ele ofereceu uma ficha pra mim e falou “vai lá, Caduco, joga mais uma”. Sinto como se aceitasse a ficha, colocasse ela na máquina e apertasse o Start.

É isso, a seção Memórias continua! Por pelo menos mais um post!

01-Memorias-Modo-Pai_-_Controles

Só que ao invés de contar as histórias de um pai que se envolvia nas jogatinas do filho, já que estas infelizmente já acabaram, vou contar as histórias de um filho que se tornou pai e que tenta continuar jogando videogame, com cada vez menos intensidade e fazendo escolhas muito diferentes da época em que a maior dificuldade era manter o cachorro alimentado e brincando, além de cuidar da casa e fazer pós graduação.

Cabe aqui dizer que eu achava que cuidar de filho era como ter um pet em casa. Pet dá um bom trabalho, é verdade, e consome um bom tempo e energia da gente. Porém, definitivamente não é a mesma coisa que criar um filho.

Guardei algumas anotações ao longo de um ano, embora já tenha algum tempo que o filho já completou seu primeiro aniversário. Ainda assim, acho legal de compartilhar com vocês, sejam os que já são pai/mãe e que vão se identificar com algumas coisas, ou sejam os que ainda não se tornaram e pretendem um dia.

Olha, pra começar, todos os clichês que eu ouvi a vida toda sobre ter filhos são verdades. As boas e as poucas ruins que alguns tem coragem de te contar. No geral as pessoas romantizam muito o lance de ter filhos, principalmente em redes sociais. Com isso, elas acabam escondendo uma porção de outras coisas que são difíceis, coisas estas que a sociedade não aceita bem que a gente fale porque acaba julgando com um “nossa, que absurdo, que ingrato” e coisas do gênero.

A jornada de ser pai é sim muito incrível, mas é árdua também. Algumas das coisas difíceis eu vou falar por aqui, todas elas ligadas aos games, é claro. Prefiro a transparência do que o conto de fadas que é forte em certas redes sociais. Não ligo para o julgamento, sintam-se a vontade pra pensar o que quiserem.

Antes de sair falando dos exemplos que aconteceram ao longo deste um ano e poucos meses, quero fazer um resumo. Ou seria uma analogia? Ou talvez ambos? Sei lá, quero fazer alguma coisa, vocês vão entender (espero).

Uma vez me disseram que ser pai/mãe é quase igual a um jogo de videogame clássico: dividido em fases. O aprendizado que você tem em uma fase nem sempre se aplica para a fase seguinte. Tipo, você descobre uma coisa que acalma ou diverte seu filho em um dia, ou resolve alguma coisa que incomoda ele, e acha que tá tudo bem. Só que no dia seguinte pode ser que a mesma coisa não funcione mais.

Meus caros, isso é perfeito! É exatamente isso! Eu gosto de pegar este ensinamento e somar a um pensamento maluco que tive ao longo desses meses todos e que cada vez mais se consolida na minha cabeça descabelada.

Ter filhos é como jogar Battletoads. Considerando, claro, quem gosta do jogo (e/ou de outros que possuem alta carga de desafios). É difícil pra caramba, você vai errar muito, vai se culpar, vai aprender muita coisa para vencer cada fase difícil e tudo mais. Vai ter horas que você vai se pegar pensando em porque diachos resolveu se colocar nessa situação.

Mas meus caros, é algo muito gratificante. Muito mesmo. Quando você arranca um sorrisinho ou consegue resolver alguma coisa que está incomodando aquele pequeno ser, por exemplo pegar ele no colo e ele imediatamente interromper um choro ou qualquer coisa assim, dá uma sensação que é indescritível e muito prazeirosa. Muito parecido com o que sentimos quando vencemos uma fase ou chefe que estamos há um bom tempo enroscados, só que muito mais intenso. Impossível de descrever com palavras.

Em ambos casos é gratificante a sensação de você perceber o quanto está aprendendo. É também muito bacana perceber o quanto está ensinando ao pequeno. Mas isso não serve para a minha analogia, eu só queria comentar.

Gosto de comparar especialmente com Battletoads por ele ser diferente da maioria dos jogos que existem. Cada fase é uma fase diferente mesmo, um desfio quase que completamente diferente de todo resto. Não adianta você carregar somente o que aprendeu nas fases anteriores para vencer o desafio atual, você precisa aprender sobre ele também. Precisa errar algumas vezes antes de começar a acertar, até que começa a tirar de letra. Paternidade é assim também, e isso combina direitinho com aquilo que me disseram e comentei há alguns parágrafos.

02-Memorias-Modo-Pai_-_Mario-and-Luigi

Olha, já hoje bate algumas saudades, de algumas coisas que meu filho adorava e hoje não dá a mínima. Dando um exemplo aí, uma delas é que eu ficava cantarolando a melodia de Back in Black e balançando a cabeça. Ele ria muito disso, teve até um dia que ficou minutos olhando pro celular rodando um vídeo meu fazendo isso em loop. Hoje em dia eu repito a mesma coisa e ele nem olha na minha cara. Apesar que ele ri de outras palhaçadas.

Isso vale não somente para essas situações mais leves, mas também para coisas que irritam ele. Nestas o bicho pega mais forte, mas cedo ou tarde você aprende a lidar com cada situação também. Parece ser um ciclo de aprendizados sem fim.

Agora, sabem o que é ainda mais complicado? Imaginem que não estamos jogando Battletoads no delicioso controle do NES, mas sim usando sensores de movimento, seja um Wiimote com Nunchuk, ou então Kinect, ou algo assim. Porque o cansaço que a gente sente nessa fase dos pequenos é indescritível também.

Outra coisa que escutei e que sempre levo adiante é que quem é pai/mãe simplesmente se acostuma a ficar cansado em tempo integral. Aliás, para mãe é algo ainda mais cansativo. Eu nem discuto, pois sei que é verdade. Esta é uma briga que eu definitivamente não quero entrar porque sei que seria derrotado se tentasse. Para as mães é definitivamente uma luta que eu não sou nem capaz de imaginar como funciona.

Para quem não sabe, pai e mãe não tem dia de folga. Não tem essa de “bota a criança pra dormir e hora do game”. Na hora que o filho dorme, e é pouco tempo, você precisa correr para fazer as outras coisas que a vida adulta te exige e que continuam surgindo, já que o mundo não para. Pensem aí que não tem mais finais de semana largado no sofá assistindo TV ou jogando, entre outras coisas.

Mas entendam uma coisa, tudo nessa vida cansa. Trabalhar cansa, fazer tarefas de casa cansa e se divertir cansa também. Jogar videogame cansa sim, a maior parte das vezes mentalmente. Não adianta a gente negar. Então filhos também cansam, e isso não é exatamente ruim. Você apenas passa a direcionar a sua energia para algo que no fim das contas vale mais a pena que muitas outras coisas nessa vida.

Enfim, deixa eu começar a contar uns casos para contextualizar e vocês entenderem como que é a paternidade pra quem gosta de jogar videogame, mesmo que aqui seja a minha experiência pessoal e cada filho seja um caso totalmente único.

Desde o começo tudo parecia muito difícil, e realmente é. Percebemos que o filho tinha uma rotina de acordar entre meia noite e uma (ou duas) da manhã, então minha esposa e eu fizemos uma espécie de rodízio pra alimentar a criança e botar pra dormir de novo. Ainda assim, muitas vezes a gente se ajudava em noites mais difíceis.

Eu aproveitei pra pegar o “turno” do fim da noite e começo de madrugada enquanto ela dormia, justamente porque poderia aproveitar o período pro que eu já fazia antes: jogar videogame. Claro, eu não conseguia fazer mais nos finais de semana, precisava aproveitar o único horário que restava.

Parecia um mundo perfeito, mas não era. Algumas vezes meu filho simplesmente demorava muito tempo pra voltar a dormir. Ou então algo acontecia, como vômito, ou fralda cheia, ou tudo isso junto e misturado. Por vezes isso me tirava o sono, pois eu acabava ficando agitado o suficiente pra não conseguir dormir.

Numa dessas eu lembro bem de estar jogando o Remake de Final Fantasy VII e fiquei tão alucinado que fiquei jogando até o fim dele, algo que aconteceu por volta das 5 da manhã. Fui dormir meia hora depois disso e acordei uma hora e meia depois. Trabalhar no dia poderia ter sido tenso, mas por sorte foi logo após um feriado, não fiquei tão zoado quanto podem imaginar.

Por muitas e muitas vezes eu largava o controle pra atender a criança e voltava com aquela tela de que o controle desligou por inatividade e precisa ser religado para o jogo continuar. Em menor escala aconteceu do próprio console entrar em hibernação por ficar muito tempo parado. Algo comum nos consoles das últimas gerações, o PlayStation 4 faz isso. Pelo menos um deles acontecia em praticamente todos os dias de tentativa de jogatina, tanto durante a semana quanto nos finais de semana.

Depois essa rotina mudou e o horário dele acordar e encerrar meu “turno” poderia chegar até umas 02h30 da manhã. Com isso a sessão de videogame acabou encerrando, pois eu não poderia mais ficar acordado jogando até essa hora ou teria sérios problemas. Por fim, comecei a dormir cedo e acordando junto com ele pra dar os cuidados necessários.

Olha só que engraçado, dormir cedo virou uma rotina pra mim. Justo eu, o cara que nunca conseguiu fazer isso na vida e vira e que mexe tinha insônia. Com essa rotina ficando diferente e eu não jogando todas as noites, somado ao fato de jogar cansado, fez com que desempenho nos jogos passasse a piorar muito. Pouco a pouco passei a largar os jogos desafiadores ou longos demais, ainda mais quando precisava de foco nas mecânicas ou história que precisassem ser relembrados dias depois de ficar sem jogar.

Lembro de um rage quit pesado que eu tive com o Teenage Mutant Ninja Turtles III: Radical Rescue de Game Boy. Várias noites tentando terminar e de repente em uma delas eu estava tomando Game Over direto e tive que parar de jogar por quatro vezes porque a criança acordou. Desliguei o jogo bufando e quase não consegui dormir.

Sim, as interrupções são muito normais, e não tem muito o que fazer. No máximo a gente pode tentar minimizar elas. Seja jogando em portátil, ou usar fones de ouvido (dos pequenos, porque precisamos ouvir o filho se ele acordar), fechar portas, apertar o controle mais delicadamente (e isso pra mim beira o impossível), etc. A gente tem que lidar com isso, não tem jeito. Quem não tava acostumado a jogar olhando duas telas precisa aprender, pois sempre tem a tela da babá eletrônica pra ficar de olho. Pra quem consegue arranjar uma, comprando ou pegando emprestado.

03-Memorias-Modo-Pai_-_Crypt-of-the-NecroDancer

Mesmo que estas interrupções te impeçam de jogar, você não vai ligar para o fato disso estar acontecendo. Faço questão de deixar isso muito bem enfatizado para não parecer um monte de reclamações gratuitas.

Sabem o que mais mudou? Escrever para este blog. Fico impossível seguir uma sequência de minutos escrevendo concentrado. Vira e mexe eu perdia o fio da meada por conta de uma dessas interrupções. Sem falar em ter que também digitar mais leve. Com a mão pesada que tenho tive que tentar me adaptar, não tive escolha.

Ainda bem que no comecinho de 2021 eu tinha deixado um monte de textos pré-escritos, faltando apenas fazer uma leitura para melhorar coisa ou outra e depois fazendo todo trabalho de edição. Boa parte já estava até pronto no primeiro trimestre. Era Março e eu já tinha coisa agendada para várias épocas do ano, até Dezembro. Se não fosse desta forma eu não teria conseguido completar a minha meta, que era de postar semana sim e semana não durante todo o ano em que o blog completou seu décimo aniversário.

Tem também o caso dos Posts Narrados. Tinha hora que parecia que eu precisava esperar o alinhamento de planetas para conseguir gravar. Pensem aí que o bebê não pode estar dormindo. Gravar de madrugada? Nem pensar! Mas tem que ser em um horário que não tenha muito barulho, senão já era. Aí nessas horas sempre tem um vizinho louco pra reformar algo, pregar algo, serrar algo, gritar que nem o Tarzan (OK, esse não). Ou então passa o carro do ovo, da pamonha, caminhão tentando subir a rua, moto envenenada, carro velho, etc. Ou algum cachorro começa a latir, máquina de lavar roupa entra no ciclo barulhento, e sei lá mais quais adversidades que aconteceram e eu nem me recordo mais.

Vou reforçar que tudo isso que estou falando não é com pesar e nem reclamando. Estou somente listando fatos para comprovar que é uma fase difícil sim, e tudo vai ficando cada vez mais complicado. Exatamente como em um jogo de videogame mais tradicional. Contudo, é sempre bom dizer que todos os bônus de ser pai superam tranquilamente estes pequenos obstáculos da vida gamística que estou listando.

Para vocês terem uma ideia, até aqui eu contei casos que aconteceram até os cinco primeiros meses de vida dele mais ou menos.

A partir de certo mês, eventualmente encerramos os “turnos” e passamos a acordar os dois para atender o pequeno. Foi numa fase onde algumas coisas melhoraram, como fim de cólicas e tudo mais. Porém, outras coisas surgiram e passou a fazer mais sentido nós dois trabalharmos juntos e não mais cada um no seu horário. Com isso, cuidar dele ficou menos complicado, mas todo o resto ficou muito mais difícil.

Já nesta fase teve uma noite que eu resolvi botar o Ghost of Tsushima pela primeira vez no console pra ver como era, antes de dormir. Aí todo aquele negócio que a gente sabe como é: jogo instala, atualiza, instala o update, etc. Assim que tudo terminou eu entrei nele, fiz alguns ajustes de imagem, som e mais uma ou outra coisa que pediu e até aí tudo lindo. Bem na hora que apareceu “Tsushima, Japão” eu escutei aquele choro bem de leve. Exatamente na hora que o jogo ia começar. Parecia sacanagem. Por sorte, esta noite ele dormiu rápido e eu pude começar o jogo. Mas durou pouco, logo precisei parar para atender um choro mais pesado.

Entretanto, o ponto nem era este, mas sim a noite seguinte. Fui tentar continuar o belíssimo jogo e simplesmente dormi jogando. Fui acordado pela minha esposa não sei porque, talvez eu estivesse roncando, vai saber. No fim das contas, não consegui jogar nada. Excesso de cansaço. Duro é que não foi a única vez que isso aconteceu. Pra ficar ainda mais triste, de uns tempos para cá tem se tornado ainda mais frequente.

É, meus caros, não tem jeito. Pai gamer é primeiro pai, depois gamer. Não adianta, quem não quer dedicar o tempo para um novo ser que vai surgir não deveria nem pensar em ser pai. E não há nada de errado em não querer ser pai, errado mesmo é botar o novo ser no mundo e não doar tempo pra ele cuidando em parceria com o(a) companheiro(a).

No começo você acha que dá para continuar jogando de madrugada e tal, mas depois de alguns meses o cansaço será tão grande que você vai olhar pro videogame, vai olhar pra sua cama e vai optar pelo segundo, não importa o quão bom o jogo seja. Ainda mais sabendo que daqui algumas horas você vai precisar acordar pra cuidar daquele pequenino que desperta um sentimento tão grande em você.

Você pode até tentar continuar jogando, mas vai acontecer de você acordar do nada no sofá com o Jin Sakai correndo na parede sem sair do lugar porque você dormiu segurando o analógico pra cima e passou do ponto onde queria chegar do mapa. Aconteceu comigo.

Vai dar uma frustração ou chateação em algum momento, mas você vai fazer tudo isso sem peso nenhum na consciência, mesmo sabendo que aquele jogo de não sei quantas horas vai ficar parado por muitos dias ainda e você só vai conseguir terminá-lo depois de não sei quantas semanas.

Mas é um negócio mágico, difícil de explicar. Tem horas que você não sabe nem de onde sai a força para levantar e atender o bebê toda madrugada, mesmo arrebentado. Aliás, até mesmo doente. É uma coisa que simplesmente surge em você, é inexplicável.

Quem é pai e está lendo tudo isso deve estar pensando que eu estou chovendo no molhado, mas é algo que quero compartilhar com todo mundo: pais novos, pais de longa data, quem quer ser pai no futuro, quem ainda tem dúvidas e até quem definitivamente não quer ter filhos nunca.

Lembrando aqui que pai não necessariamente é a pessoa que gerou um bebê em parceria com a mãe, mas também quem cria uma criança. Eu realmente não quero que ninguém se sinta excluído aqui.

04-Memorias-Modo-Pai_-_Portateis

Vai chegar uma hora que outros hábitos começam a mudar. Eu por exemplo parei de colocar jogos no Hard, simplesmente não tinha mais como continuar. O primeiro foi justamente Ghost of Tsushima. A sua vida já vai estar no modo Hard, você não precisa suportar isso também nos games se você não está mais na pegada.

Inclusive, desisti de jogar uma porção de jogos difíceis. Sekiro tá lá no armário me esperando tem mais de ano, eu estou morrendo de vontade de jogar ele, mas não me sinto em condições de jogá-lo até hoje. Acho que posso dizer o mesmo dos Mega Man. Olha o hiato surgindo na seção de Desafios do Blue Bomber aqui do blog.

Olha, eu tentei outras alternativas pra continuar jogando com frequência. Tipo pegar pra jogar em um daqueles dias em que fui acordado muito cedo pelo filho, quando ainda faltava boas horas pra começar a trabalhar. Daí foi aquela coisa: liguei o videogame, o jogo carregou e tudo mais. Mas antes de começar de fato a criança acordou de novo e descobri que não adiantou de nada ligar o console. E lá se foi outra ideia para o espaço.

Acabei lembrando mais um caso. Quando ele completou dez meses eu tava feliz da vida que iria jogar numa sexta-feira à noite. Não aconteceu. Cochilei com o controle nas mãos durante o loading demorado do jogo e acordei assustado meia hora depois com ele chorando forte. Fiquei entre uma hora e meia e duas horas pra conseguir fazer ele voltar a dormir. Ou seja, já era a noite da jogatina.

Situações iguais ou similares se repetiram por algumas vezes. Várias noites com pouquíssimo tempo de jogatina (ou mesmo nem dava tempo, como relatei acima) e já era seus planos. Aí não tem jeito, é melhor deitar e dormir, logo depois de atender o filho.

A real é que nos primeiros meses é menos difícil mesmo, pois a criança tem vários momentos de sono ao longo do dia e dá até pra você jogar com ele no colo durante os finais de semana, ou no carrinho do lado, ou algo assim. Desde que você esteja de fone de ouvido, claro.

Depois que começa a engatinhar, ficar em pé e tentar escalar as coisas, aí o bicho pega. Aí vira uma coisa que vi em redes sociais: é garantir que o pequeno chegue vivo até o final do dia, porque ele passa o tempo todo fazendo coisas que fazem ele ser um perigo para ele mesmo. E sabem o que é o pior? Ele vai achar ruim você ficar “podando” as “aventuras” dele. Só rindo mesmo.

É meus caros, vida de pai não é fácil, mas é gratificante. Como falei antes, basta um sorriso e você já se derreteu todo, já se pega fazendo um monte de palhaçadas pra arrancar mais sorrisos daquele ser bochechudo.

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Uma coisa que parece cada vez mais evidente é a perda de protagonismo da própria vida que a gente sofre. Até o nascimento do filho eu era o Cadu, o Gamer Caduco, o Carlos Eduardo, o Goleiro, ou qualquer outro nome ou apelido que me tornava uma entidade existente no planeta reconhecida por outras pessoas. Depois que o filho nasceu tudo isso daí simplesmente morreu, fazendo com que eu me tornasse um ser conhecido como pai. Agora todo mundo quer saber se ele tá bem, se está dormindo direito, se está comendo, se já está andando, etc. Pedem informações, fotos, vídeos e o escambau. Do velhinho aqui ninguém mais quer saber. É dose?

Pai (e mãe também, evidentemente) é uma entidade que não tem descanso, que não tem finais de semana, que passa muitas horas de noites em claro e que perde desempenho em algumas coisas da vida. Calma aí, seus sem vergonha, de novo eu estou falando de desempenho no videogame. Foi por isso que tirei os jogos do Hard.

Sabem, morre mesmo tudo isso. Você definitivamente precisa fazer um esforço inimaginável para ser uma dessas personas que tinha antes, e em curtas janelas de tempo, no pouco tempo que te sobra. Junto com isso morre aquela vontade de passar horas quebrando a cabeça com um jogo super desafiador.

Se antes você se condenava por usar qualquer tipo de facilitador dentro dos jogos, agora você se vê feliz por ter essas opções disponíveis. Seja lá o que for. Customizar o personagem, equipar armas poderosas, usar itens especiais e por aí vai. Qualquer coisa que possa te manter jogando agora é parte do seu alívio, e não mais culpa.

Para os fiscais dos games que adoram encher o saco de quem não tem nada a ver com a vida deles, fica aí a dica. Seja pai e depois conversamos. Mas seja pai mesmo, não apenas bote uma criança no mundo e deixe todo o fardo com a mãe, avós e/ou outras pessoas que surgiram para te apoiar de alguma forma. Seja pai de verdade, seja responsável. Não são vocês, fiscais, que gostam tanto do termo “de verdade”? Gamer “de verdade”, fã “de verdade”, e etc? Pois é, parece que o jogo virou, não?

Ser pai é uma jornada muito gratificante, mas não é fácil. É uma maratona. E maratona não é correr não sei quantos quilômetros. Também não é que nem uns tontos fazem aí, ficar jogando todos os jogos de uma franquia questionável em ordem de lançamento. Maratona de verdade é ter filho! Caraca, como cansa depois do sexto/sétimo mês!

Você chega em um nível de cansaço que não vai mais jogar de madrugada. Isso vai acabar. Você vai tentar jogar e dormir com o controle na mão. Ou o portátil. E não é que o jogo seja parado ou ruim. Você vai dormir jogando seu jogo favorito, ou um jogo com muita ação, tipo um jogo de ritmo, tentando se concentrar ao máximo. Esses cochilos vão acontecer às 22h00, um horário que você nunca se imaginou dormindo na vida, mas vai largar o controle/portátil onde está e se arrastar pra cama.

Isso quando conseguir, pois vai ter vezes que você simplesmente vai se render, deitar no sofá mesmo e deixar pra dormir de fato na cama quando acontecer mais uma das interrupções de sono da madrugada.  Morrendo de dores nas costas. Ou vai acordar assustado com o Vita caindo no chão, morrendo de dor no pescoço porque dormiu sentado no sofá tentando jogar aquele maravilhoso Crypt of the NecroDancer. História verídica!

Ao mesmo tempo, é uma sensação que não tem igual. É ver cada passo que foi dado durante toda a trajetória e, mesmo cansado, sentir uma felicidade inexplicável e genuína. É saber que a tal maratona não tem uma linha de chegada e que isso realmente não importa. É se doar e abrir mão de muitas coisas que antes eram muito importantes para a sua vida e que hoje talvez não tenham mais o mesmo peso.

É ver cada evolução daquele pequeno ser e comemorar junto. Primeiro sorriso, primeiras sílabas, primeira vez que ele rola, que engatinha, que fica em pé, primeiros dentes, primeiros passos, etc. Como se cada uma dessas coisas fosse uma vitória pessoal. E de fato é, pois você não é mais aquela entidade que você foi um dia, agora você é uma entidade chamada pai, que se estende por esta vida que agora você cuida.

Olha, eu espero que um dia meu filho tenha a oportunidade de ler este texto. Caso esteja lendo, digo para não ter pressa de crescer. Pois adultos nada mais são que crianças que cresceram. Alguns amadureceram, outros nem tanto. Mas na essência todos ainda são crianças grandes. Em outras palavras, aproveite enquanto pode, pois um dia você vai se tornar um velho chato que nem quem vos escreve. Um ser que os mais jovens não dão a mínima, igual eu também não dava quando tinha a idade deles. Duro é hoje saber que deveria ter dado é muita atenção, mas enfim. A gente só percebe essas coisas quando cresce.

Eita que este texto ficou parecendo post do Gamer Cansado! Caberia muito bem lá, pois o Gamer aqui que já está Caduco há algum tempo, agora está muito Cansado. E a tendência é ficar ainda mais com os anos. Que eu tenha forças! Ou horas de sono! O que vier primeiro.

Como já dito, em outras palavras, este texto contém clichês e outras coisas que quem é pai sabe muito bem que são comuns.

No fim das contas, ser pai é muito mais difícil que Battletoads. Então todos vocês que são pais merecem um troféu de platina do blog Gamer Caduco. Ainda mais os que participam ativamente da vida dos seus pequenos da maneira que podem, com o tempo que têm. Querem saber o quanto vale este troféu? A mesma coisa que os dos videogames ou mesmo o “carimbo” de quem terminou Battletoads ou outros jogos tão difíceis quantos: coisa nenhuma! O verdadeiro valor aqui está no fato de ser você pai e continuar em frente, numa jornada árdua e ao mesmo tempo maravilhosa. Parabéns, de verdade!

E para o meu pai e a minha mãe, se antes eu já achava eles o máximo, depois deste ano e pouco que passou eu só admiro eles ainda mais. Ainda mais que agora eu valorizo até as coisas que antes eu achava ruins, como broncas, mensagens de cuidado, ensinamentos em horas que eu não queria ouvir, entre outras coisas que antes eu achava chatas e/ou sem sentido, mas que em tão pouco tempo eu comecei a enxergar que sempre tiveram muito sentido e eu que estava muito errado.

06-Memorias-Modo-Pai_-_Camiseta-e-body-Sonic

Chega, meus caros!

Eu sei que este texto pouco tem a ver com jogos, mas eu realmente queria escrever ele. Obviamente que ele não ficou como eu gostaria, queria poder dizer muito mais coisas, mas a mente de um ser velho e cansado não me permite buscar tudo que pensei nesses meses todos, mesmo com tantas anotações que fui fazendo ao longo do período.

Espero que tenham gostado. Que os antigos pais tenham relembrado fases que agora para eles devem ser vistas como fáceis, já que eles devem estar em uma ainda mais difícil. Que os novos pais estejam se identificando com cada uma das partes descritas. E que os pais futuros entendam que precisarão estar bem preparados para o que virá pela frente. Mas, acima de tudo, a intenção aqui é ensinar ou relembrar a todos a alegria que é ser pai.

Agora sim, chega mesmo. Encerrando não só o post, mas provavelmente a seção Memórias também. Vamos ver o que o futuro nos reserva. Não prometo nada.

Obrigado a todos pela leitura.

Abraços e até o próximo post!

Sobre Gamer Caduco

Apenas mais um cara que nasceu nos anos 80 e que desde que se conhece por gente curte muito videogames, não importa a geração.
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14 respostas a Memórias – Ligando o “Modo Pai”

  1. Luís Fajardo diz:

    Ser pai é recompensador, você deixou bem claro no texto o teu prazer na árdua tarefa! Na qualidade de um dinossauro gamer que segura controles desde o final da década de 80 e optou por não ter filhos, acho bacana que todos jovens jogadores leiam relatos assim para entender o quanto ter que cuidar de um pequeno ser modifica a vida!

    • Sim, com toda certeza. E acho que vale para quem optou por não seguir o caminho da paternidade também, pra saber que nem tudo são flores como tanta gente gosta de romantizar! rs
      Valeu Luís!

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  8. Bruno Giorno diz:

    Bom dia! Como pai de dois (uma menina de 10 e um menino de 7), posso dizer que tudo realmente pode ser dividido em fases. Passei 30 anos sem jogar, simplesmente a vida era muito corrida: crianças pequenas, trabalho, pós, compra da primeira casa e por aí vai.
    Hoje estou na seguinte fase: jogando um a um (game stick), todos os jogos que fizeram parte da minha infância…junto com eles! Conto as histórias, como era na época, desde que saiu o “atari” (toda uma geração de crianças com calo na palma da mão por conta de um jogo chamado “decathlon”), os fliperamas no fim dos anos 80 – começo dos 90 (acho que nunca mais vai existir algo que se compare à febre que foi street fighter II), tinha que andar trocentos km a pé para alugar uma única fita na locadora, tinha que passar horas e horas jogando, revezando com amigos, primos, irmão, vizinhos, etc, para tentar zerar um jogo, pois só tínhamos a fim de semana para tentar. Sempre tinha aquela fita que não funcionava e aí você tinha que soprar dentro, aí funcionava, kkk. Eles adoram ouvir e jogar.
    Hoje tudo tem muita tecnologia, tudo é impecável, gráficos, etc, parece que está dentro de um filme. Mas antigamente existia uma inocência, uma magia..era diferente…só começou a ter um pouco mais de “violência” quando surgiu o mortal kombat.
    Minha filha me pergunta: “papai, qual jogo é fácil para eu zerar?”. E eu respondo: “filha, nenhum jogo da época era fácil…todos eram feitos para testar ao máximo a persistência das crianças”. É isso. Você tinha que aprender a ter paciência, perseverança, calma, e saber compartilhar, pois 1 video game era compartilhado entre muitas crianças, cada um tinha que esperar sua vez e enquanto isso, torcia para que o amigo conseguisse avançar. Não tinha dicas, não tinha tutorial, não tinha gameplay.
    Tudo era aprendido na raça e cada conquista tinha sabor de vitória.
    Ter filhos é o “jogo” mais difícil do mundo…criar um ser humano, ajudar a formar seu caráter e ter a responsabilidade de ser uma pessoa melhor a cada dia, pois afinal, somos o exemplo para eles…só posso dizer que definitivamente é uma experiência extrema: dificílima, mas muito enriquecedora e única – nível battletoads (do nintendinho…).
    Forte abraço

    • Olha, é até engraçado eu responder este comentário nos dias de hoje, ainda mais numa fase muito mais complicada do que a que eu vivenciei quando escrevi o texto. Esta fase dos dois anos de idade tá sendo ultra desafiadora pra mim, até estou considerando escrever mais um texto sobre o assunto, mas acho que vou acabar deixando passar.
      Entendo perfeitamente a sua fase dos 30 anos sem jogar, e que bom que voltou com tudo. Agora, o que mais me pegou no seu comentário foi o lance de contar as histórias pros pequenos enquanto joga, isso deve ser uma coisa totalmente sem preço nesta vida. Quem nunca quebrou um controle de Atari jogando Decathlon, né? Eu quebrei 2. Minha mãe quase me matou e eu fiquei um tempo sem jogar por não ter controle… kkkkkkk
      Engraçado a pergunta do que é fácil, definitivamente nada era fácil. Alguns eram menos difíceis, mas fácil mesmo não me lembro de nenhum. Tem uns que eu digo que são fáceis e sempre aparece alguém discordando, então cheguei à conclusão que se tornou fácil pra mim, são jogos que já terminei uma infinidade de vezes e aí fica natural.
      O legal é que esses desafios, querendo ou não, formam caráter viu. Vai dizer que não te ensinaram a, no mínimo, não desistir facilmente das coisas? kkkkkk
      E outra coisa era a escassez de jogos. Hoje vc joga onde quiser: celular, computador, videogame, etc. O que não falta é jogo grátis (ou “grátis”) por aí, totalmente disponível pra quase qualquer pessoa. Na nossa época não era assim. Quantas vezes não ficamos com um ou dois jogos apenas em mãos, tendo que jogar aquele jogo mesmo? Não que fosse ruim, mas a gente queria poder jogar mais coisas com mais frequência. E aí não tinha jeito, ou a gente aprendia a jogar, ou ia brincar de outra coisa.
      O que eu vejo de crianças (e até alguns jovens) que cansam fácil de ficar na mesma atividade ou que desistem facilmente de situações onde não estão “vencendo”… tudo bem que tem também os da nossa geração que são assim, mas eu acho que aqueles que jogavam com frequência adquiriram uma certa “casca”.
      Eu sei, é papo de véio isso aqui, certeza que vai baixar um jovem aqui chamando a gente de “cringe”.
      Melhor parar por aqui! huahuahua
      Valeu Bruno!

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